segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Poemou...Telegrama - Zeca Baleiro



Telegrama


Zeca Baleiro

Eu tava triste

Tristinho!
Mais sem graça
Que a top-model magrela
Na passarela
Eu tava só
Sozinho!
Mais solitário
Que um paulistano
Que um canastrão
Na hora que cai o pano
Tava mais bobo
Que banda de rock
Que um palhaço
Do circo Vostok...

Mas ontem
Eu recebi um Telegrama
Era você de Aracaju
Ou do Alabama
Dizendo:
Nêgo sinta-se feliz
Porque no mundo
Tem alguém que diz:
Que muito te ama!
Que tanto te ama!
Que muito muito te ama,
que tanto te ama!...

Por isso hoje eu acordei
Com uma vontade danada
De mandar flores ao delegado
De bater na porta do vizinho
E desejar bom dia
De beijar o português
Da padaria...(2x)

Mama! Oh Mama! Oh Mama!
Quero ser seu!
Quero ser seu!
Quero ser seu!
Quero ser seu papa!...(2x)

Eu tava triste
Tristinho!
Mais sem graça
Que a top-model magrela
Na passarela
Eu tava só
Sozinho!
Mais solitário
Que um paulistano
Que um vilão
De filme mexicano
Tava mais bobo
Que banda de rock
E um palhaço
Do circo Vostok...

Me dê a mão vamos sair
Pra ver o sol!




segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Poemou... Versos à boca da noite- Antologia poética - Carlos Drummond de Andrade




Versos à boca da noite

Antologia poética
Carlos Drummond de Andrade



Sinto que o tempo sobre mim abate

sua mão pesada. Rugas, dentes, calva...

Uma aceitação maior de tudo,

e o medo de novas descobertas.


Escreverei sonetos de madureza?

Darei aos outros a ilusão de calma?

Serei sempre louco? Sempre mentiroso?

Acreditarei em mitos? Zombarei do mundo?


Há muito suspeitei o velho em mim.

Ainda criança, já me atormentava.

Hoje estou só. Nenhum menino salta

de minha vida, para restaurá-la.


Mas se eu pudesse recomeçar o dia!

Usar de novo minha adoração,

meu grito, minha fome... Vejo tudo

impossível e nítido, no espaço.


Lá onde não chegou minha ironia,

entre ídolos de rosto carregado,

ficaste, explicação de minha vida,

como os objetos perdidos na rua.


As experiências se multiplicaram:

viagens, furtos, altas solidões,

o desespero, agora cristal frio,

a melancolia, amada e repelida,


e tanta indecisão entre dois mares,

entre duas mulheres, duas roupas.

Toda essa mão para fazer um gesto

que de tão frágil nunca se modela,

e fica inerte, zona de desejo

selada por arbustos agressivos.

(Um homem se contempla sem amor,

se despe sem qualquer curiosidade.)


Mas vêm o tempo e a ideia de passado

visitar-te na curva de um jardim.

Vem a recordação, e te penetra

dentro de um cinema, subitamente.


E as memórias escorrem do pescoço,

do paletó, da guerra, do arco-íris;

enroscam-se no sono e te perseguem,

à busca de pupila que as reflita.


E depois das memórias vem o tempo

trazer novo sortimento de memórias,

até que, fatigado, te recuses

e não saibas se a vida é ou foi.


Esta casa, que miras de passagem,

estará no Acre? na Argentina? em ti?

Que palavra escutaste, aonde, quando?

seria indiferente ou solidária?


Um pedaço de ti rompe a neblina,

voa talvez para a Bahia e deixa

outros pedaços, dissolvidos no atlas,

em País-do-riso e em tua ama preta.


Que confusão de coisas ao crepúsculo!

Que riqueza! sem préstimo, é verdade.

Bom seria captá-las e compô-las

num todo sábio, posto que sensível:


uma ordem, uma luz, uma alegria

baixando sobre o peito despojado.

E já não era o furor dos vinte anos

nem a renúncia às coisas que elegeu,


mas a penetração no lenho dócil,

um mergulho em piscina, sem esforço,

um achado sem dor, uma fusão,

tal uma inteligência do universo


comprada em sal, em rugas e cabelo.

EM QUEM OU O QUE VOCÊ ESTÁ ANCORADA?

Em quem ou o que você está ancorada? Algumas pessoas colocam sua confiança fora de si mesmas, terceirizam seu próprio poder e aguardam que a...